UMA FREGUESIA QUE NÃO EXISTE

NO PAPEL...

sábado, 26 de outubro de 2013

VISITA GUIADA AO CENTRO HISTÓRICO DA GUARDA, POR MIM...

Bem vindos à Forte, Farta, Fria, Fiel e Formosa Cidade da Guarda!
Fiel sim!
Porque desse epíteto de "Falsa" que perdurou durante séculos, faço questão de vos provar já a seguir, que nenhum sentido faz se atribuído a esta nossa Cidade.


Não é por acaso que vos trago para iniciar este périplo pela Guarda, junto deste edifício que actualmente é conhecido por Escola EB 2 e 3 De Sta Clara.



Ficai sabendo que este mesmo edifício já foi conhecido como Escola Preparatória General João de Almeida, Liceu da Guarda e até já serviu como "Paços do Concelho".
Apesar de ao longo dos tempos se insistir erroneamente, na denominação de "Convento de Sta Clara" a verdade, verdadinha, é que o seu nome mais correcto será  "Palácio do Príncipe Real". Denominação que advém da homenagem feita ao Príncipe Das Beiras, já nos finais da monarquia.
Mas então porque lhe chamam "Convento de Sta Clara"?!!!
Porque nesta zona existiu de facto um outro Convento de clausura com esse nome; que como já vos deve ter explicado o Sr Aníbal ali na visita que fizestes à Catedral, tinha uma ligação subterrânea àquele espaço de culto, para que assim as religiosas pudessem sempre que necessário e longe dos olhares dos transeuntes, deslocar-se a fim de fazerem confissão...

Pois bem, trouxe-vos aqui porque terá sido a partir desta zona da cidade que tudo começou, quando decorria o ano de 1199.
Tudo, é como quem diz...
Porque se a Guarda aqui nasceu como Cidade, não podemos esquecer os vestígios de civilização existentes aqui bem perto, no Castro do Tintinolho (Visigodos) e também os vestígios da romanização.

No fundo, o que D. Sancho I pretendeu com o foral dado à Guarda em 27 de Novembro 1199, foi povoar uma zona estratégica quer a nível da comercialização, quer a nível de defesa da fronteira da Beira Portuguesa com os vizinhos castelhanos.

Mas vamos ao que interessa, o património histórico da nossa urbe.

A Guarda era cercada por uma muralha em cantaria, da qual iremos ver ainda alguns troços.
Tendo sempre em conta a estratégia de defesa, existia dentro da muralha, o Castelo, do qual já só resta aquela torre que podemos ver ali no ponto mais alto da cidade (local que vos aconselho a visitar numa outra altura, pois que hoje os destinos serão outros);


                               
Existia também junto do Torreão uma "cidadela" com traçado idêntico ao do castelo, mas de menor dimensão e três torres: a Torre Velha ou Torreão, a Torre dos Ferreiros (a única que ainda existe) e a Torre Nova que terá existido aqui do nosso lado direito e que servira de "Mirante das freiras de Sta Clara".

De referir que aqui junto do castelo, ficava também a habitação dos Alcaides da Guarda.
E não posso neste momento deixar de falar de um Alcaide que muito honra esta cidade!
Álvaro Gil Cabral, sabeis quem foi?
Foi nada mais, nada menos que trisavô do grande navegador Pedro Alvares Cabral...
Mas não é disso que nos orgulhamos, nós os Guardenses.
Aquando da crise da sucessão de 1383-1385, depois do Bispo da Guarda ter entusiasmado o Rei de Castela a invadir Portugal e lhe ter prometido submissão das gentes da sua cidade, chegando a oferecer o Paço Episcopal para nele se hospedar; foi Álvaro Gil Cabral, o Alcaide-mor da Guarda, quem se negou a entregar a cidade ao inimigo.
Recusou as promessas do monarca invasor, no entanto foi o único Alcaide das beiras que tomou esta atitude de patriotismo...
E é por isso que o epíteto de "falsa" com origem na traição que o Bispo da Guarda cometeu contra o seu país, facilmente se anula pelo seu contrário, "Fiel"  pela lealdade de Álvaro Gil Cabral para com o seu Rei.

Voltemos então ao património.

 
A cidade estava cercada por uma muralha que formava um pentágono irregular, sendo o lado mais pequeno o que ficava a sul, este onde nos encontramos, entre o castelo e a extinta Torre do Mirante; e os dois lados maiores formavam o vértice no ângulo oposto (o Torreão).
Nessa estrutura de defesa existiram cinco portas.
Partindo do Castelo e andando no sentido dos ponteiros do relógio teríamos:
A Porta del Rei, a Porta Falsa (junto do Torreão), A porta da Estrela ou Porta da Erva, a Porta dos Ferreiros e finalmente a Porta Nova .
A muralha que existia entre a Porta Nova e o castelo terá sido demolida no século XIX para com as pedras daqui retiradas ser feito o muro de suporte do Cemitério Municipal.

Vamos desde já à que nos está mais próxima, não ignorando o Solar De Alarcão que data do século XVII


e proponho então que entremos na Rua dos Clérigos para podermos ver este relógio de sol.
Sabiam que existia?


Passemos pela Casa Trecentista com porta e portal em "bisel", à nossa direita


e sigamos então até à Porta dos Ferreiros, situada sob a Torre com o mesmo nome (onde se encontram os equipamentos da estação meteorológica da Guarda).




Esta porta difere de todas as outras.
Porquê?
Porque para além de partilhar o espaço interior da Torre, com o Nicho do Senhor dos aflitos, se repararmos bem, dentro desta torre não existe uma só porta, mas sim três...
Duas delas facilmente se identificam, mas existe uma terceira, a "porta do meio" que é das únicas que fechava com guilhotina.
Afinal até é bem visível o vão por onde deslizava essa guilhotina.



Iremos agora percorrer a Rua do Comércio (aquela que fez com que a cidade se expandisse para além das muralhas) até virarmos para uma das ruas mais importantes da Cidade de outrora, a Rua Direita.
Foi em função desta rua que o burgo se desenvolveu, pois ela fazia a ligação entre a zona envolvente do castelo e a cidadela do Torreão.

Aqui chegados, digam lá meus caros, quantas vezes por aqui passaram sem repararem nesta magnífica Janela Renascentista?



Ah pois é!!!
Aqui se situava o antigo Paço Episcopal.
Reza uma história que, aqui um dia foi brutalmente assassinado um bispo pelo seu próprio criado.


Podíamos ir já directos à Rua do fundador da nossa urbe, mas antes disso entremos aqui por esta via, a Rua Rui de Pina.
Numa destas casas vamos encontrar o "selo" de Simão Antunes de Pina, fundador da Igreja da Misericórdia. Igreja onde podereis mais tarde passar para conhecer melhor e encontrar por lá o túmulo deste seu fundador.



Caminhemos para vislumbrar mais uma das Portas da Cidade, que ainda existe.
A Porta da Estrela.
Consta que foi esta, a porta que o bispo traidor à pátria franqueou ao séquito de D. João I de Castela.
A quem o grande Álvaro Gil Cabral recusou prestar vassalagem.
 
Deixamos para trás esta porta, para aqui ao lado apreciar o Solar dos Condes da Guarda, no Passo do Biu.


Entremos agora  na Rua de D. Sancho que está repleta de simbolismo histórico.
A começar,  nesta rua podemos encontrar vários vestígios da presença Judaica na Guarda, a Casa do Rabi (nº19) que data já do século XVI, é disso um exemplo.

Logo aqui ao lado, a prova de que na Guarda houve em todos os tempos, a presença de Tabeliães e Escrivães, como se pode verificar através das gravações feitas na porta ogival,  no interior do Nº 15.





Ainda nesta rua, podemos ver a Placa Evocativa do Poema "Ay muito me tarda o meu amigo na Guarda" escrito por D. Sancho e inspirado no seu amor por Maria Pais Ribeiro (Ribeirinha), sua amante.

Vale a pena contar um pouco da história.
Como é sabido por todos nós, os nossos monarcas sempre foram muito dados a relações extra-conjugais; e Sancho não fugiu à regra.
Tendo por amante a Ribeirinha (com quem teve quatro filhos), dela fez uma fidalga e lhe deu entre outras terras, Vila do Conde.
Após a morte de D. Sancho, Ribeirinha foi raptada por um neto de Egas Moniz, que a levou para reino de Leão.
A esperta da Ribeirinha logo tratou de escapar daquele cativeiro.
Convenceu o raptor que dele estava enamorada e que tudo lhe perdoava. Fez com que fossem passar a lua de mel a Castelo Rodrigo.
E quem estava então naquela praça fortificada?
El Rei de Portugal, que logo mandou matar o raptor. Vingando assim a afronta feita à amante de seu pai.

Mas nem só D. Sancho se enamorou estas bandas.
Há teorias de que a própria dinastia de Bragança poderá ter origem nesta cidade.
Certo dia, o Mestre de Avis se perdeu de amores por uma Judia, de seu nome Inês Peres.
Com ela teve um filho, Afonso (Duque de Bragança).
Diz uma lenda, que desde que Inês Peres se entregou a D. João I, seu pai sentiu tanta vergonha que nunca mais fez a barba em sinal de luto, ficando assim conhecido por "Barbadão".

Mas deixemos por agora os devaneios reais e caminhemos até ao lugar onde durante séculos se realizou o mercado da cidade.
Estamos no Largo de S. Vicente.

Bem sei que estou a deixar para trás a Igreja com o mesmo padroeiro.
Acontece que o tempo urge e este local de culto merece ser visitado sem pressas.
Lá dentro podereis ver a vida de Cristo em painéis de azulejos.


Olhem só para esta Janela de Canto!
O edifício é quinhentista.


Pode parecer pecado o que estou a fazer.
Passar por uma Igreja e levar-vos a conhecer o local onde durante muito tempo funcionou o "Poço do Gado", o prostíbulo da Guarda...

Mas continuai a caminhar e acreditai que a intenção é outra.
Guiar-vos até ao Centro da Judiaria da Guarda.
A Judiaria era composta pela Rua do Amparo e anexas.
Encontrava-se isolada do resto da cidade, pois o seu acesso só era feito por duas ruas.



Aqui temos o que resta do Antigo Tribunal dos Judeus.




Continuemos pela Rua do Amparo...



...até chegar a um dos pontos mais curiosos deste centro Judaico.
O Portão da Judiaria, que encerrava depois do pôr-do-sol e só abria no dia seguinte.


A poucos metros deste local, vamos encontrar a última porta da cidade.
A Porta de El Rei, que terá este nome muito provavelmente em homenagem a D. Dinis, de quem dependeu a construção da muralha desde a Porta Velha (Torreão) até ao castelo.
Por esta porta terá entrado D. Dinis quando se deslocou à Guarda após o seu casamento em Trancoso.


A Guarda deve a sua fundação a D. Sancho, é verdade!
Mas também a este rei que chegou a reunir cortes nesta cidade em 1281.
Note-se ainda que graças ao aforamento por parte de D. Dinis, de casas da freguesia de S. Vicente a famílias judaicas e à liberdade que lhes foi concedida para ali construir uma sinagoga; o número de habitantes com aquele credo disparou consideravelmente.
Estima-se que no início do século XV os judeus na Guarda fossem cerca de 850.


Quase a terminar a nossa viagem, vamos agora sempre a subir, percorrendo a segunda rua mais importante de então.
A Rua de S. Vicente cruzava a cidade, ligando a Porta de El Rei à Porta da Estrela.

Agora, rumaremos até ao ex Libris da Guarda, a Praça Velha ou Praça Luís de Camões.
Eu cá, prefiro a primeira denominação.

Mas já que aqui vamos, não custa nada ficar a saber onde viveu o Poeta Augusto Gil.



Voltem sempre!!!
E tragam mais um!





Nota: Para a realização deste evento (que acabou por não acontecer), socorri-me da "Guarda Monografia" de Adriano Vasco Rodrigues, bem como das Visitas encenadas "Passos à volta da Memória" e da "Peça Gráfica" (mapa tipográfico) da autoria de Jorge dos Reis.  




2 comentários:

  1. Rui estás de parabéns pelo belissímo e bem fundamentado passeio que nos proporcionaste pela Guarda e as suas gentes. A reportagem fotográfica é muito elucidativa e adequada à exposição. Sinto vontade de repetir o que uma vez te disse: Sinto orgulho de ter sido tua professora.
    Natália Tracana

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  2. Obrigado Professora Natália!
    Já tive oportunidade antes, de lhe dizer que foi graças a pessoas como a Professora, que o meu ser foi moldado.
    Se alguém está de parabéns é a Professora Natália e todos os seus colegas que me acompanharam ao longo da minha curta vida de estudante.

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